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PEC 164/2012 institucionaliza a violência no Brasil ao promover a gravidez forçada

05 de Diciembre 2024
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#21diasdeativismo #16diasdeativismo


O CLADEM Brasil, juntamente com toda a rede CLADEM – Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM), presente em 15 países da América Latina e do Caribe, – manifesta preocupação com graves violações de direitos humanos contra meninas, mulheres e pessoas que gestam no Brasil a partir da admissibilidade de proposta de modificação na Constituição Federal, com a PEC 164/2012, que insere a expressão “desde a concepção” para a inviolabilidade do direito à vida.

A proposta de mudança legislativa avançou no último dia 27 de novembro, com a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, por 35 votos a favor e 15 contra. Essa primeira etapa de aprovação da emenda constitucional coloca todos e todas em alerta para ameaças a direitos já conquistados, como o direito ao aborto legal - em casos de risco de vida para pessoa gestante, estupro e gravidez de feto anencefálico, ou ainda pesquisa em células tronco e o exercício de planejamento familiar com uso de técnicas de fertilização in vitro (FIV). Todos esses direitos citados são atingidos porque a alteração modificará o ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito ao início da proteção da vida e à compreensão de pessoa, que hoje é a partir do nascimento com vida. 

O aborto seguro faz parte da atenção integral às vítimas de violência. Dessa maneira, a política de enfrentamento à violência contra as mulheres, especialmente em episódios de violência sexual,  também será impactada pela alteração constitucional, em desacordo com as boas práticas previstas na Convenção de Belém do Pará e assim representando uma insegurança na proteção da dignidade sexual desde a infância até a vida adulta1. O Brasil se distancia também do compromisso em atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 

A PEC 164/12 inaugura um retrocesso nas políticas públicas sociais e na visão sobre direitos humanos das mulheres, na medida em que não segue as orientações da prórpia Constituição Federal, especialmente no artigo 1∘, incisos II e III (cidadania e dignidade da pessoal humana), no artigo 3∘, inciso IV (promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação) e no artigo 4∘, inciso II (prevalência dos direitos humanos).

A proibição do aborto até em casos de riscos de vida para gestante e feto anencefálico, além de favorecer a morte e comorbidades, é por si uma violência equiparada a tortura e tratamento cruel. Essa é a conclusão do Comitê de Direitos Humanos da ONU no caso K.L. versus Peru, em 2005, ocasião em que foi negado aborto terapeutico a uma jovem de 17 anos. Além da jurisprudência em casos individuais, os Comitês da ONU já afirmaram em diferentes Comentários Gerais, que são interpretações atuais de tratados de direitos humanos, o direito ao aborto e o dever de remover disposições punitivas. Oportuno lembrar o Comentário Geral sobre saúde da mulher (1999), do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW)2: “Dar prioridade à prevenção da gravidez indesejada através de serviços de maternidade segura e assistência pré-natal. Quando possível, a legislação que penaliza o aborto deve ser emendada para remover as disposições punitivas impostas às mulheres que se tenham submetido ao aborto.” E o Comentário Geral 36 do Comitê de Direitos Humanos (2019), sobre o direito à vida com base no artigo 6  Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: “Os Estados devem providenciar acesso seguro, legal e efetivo ao aborto, onde a vida e a saúde da gestante ou da menina estão em risco, e quando levar uma gravidez a termo causaria dor ou sofrimento substancial à gestante ou à menina, mais notadamente quando a gravidez é o resultado de estupro ou incesto ou não é viável. Além disso, os Estados-parte não podem regulamentar a gravidez ou o aborto em todos os outros casos de maneira contrária ao seu dever de garantir que mulheres e meninas não tenham que realizar abortos inseguros, sendo que devem revisar suas leis sobre aborto em tal sentido.”

Em 2024, o Comitê CEDAW recomendou ao Brasil, por ocasião da sessão que avaliava as ações brasileiras:  “Legalizar o aborto e descriminalizá-lo em todos os casos e garantir que mulheres e meninas tenham acesso adequado ao aborto seguro e aos serviços pós-aborto para garantir a plena realização de seus direitos, sua igualdade e sua autonomia econômica e sobre o seu corpo, para fazer escolhas livres sobre seus direitos reprodutivos”3.

Quanto a maternidade infantil forçada e gravidez forçada, os números de estupro e do nascimento de mães menores de 14 anos já são públicos4 e não cabe apenas ignorar a realidade da violência e seus danos biopsicossociais. A questão é urgente!

O debate sobre o começo da vida vem carregado de preceitos de viés religiosos cristãos que foram explicitados no País por ocasião do julgamento da ADI 3510, em 2008, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ação questionava a Lei de Biossegurança e debatia se o embrião deveria ser tratado como pessoa. A mesma tensão ocorreu no julgamento da ADPF 54, em 2012, sobre aborto e anencefalia. E mais recentemente, em 2023, foi publicado voto da relatora da ADPF 442, Ministra Rosa Weber, pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), nas primeiras 12 semanas de gestação. Todos julgamentos pautados no alcance do direito à vida e fundamentados no atual ordenamento constitucional brasileiro.

A busca da normatização da inviolabilidade “desde a concepção” tem utilizado a Convenção Americana de Direitos Humanos como um argumento para proibir o aborto no Brasil. Ocorre que a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos, que interpreta a Convenção, já interpretou o artigo 4.1 da Convenção, sobre o alcance de “desde a concepção”, no  caso Artavia Murillo e outros versus Costa Rica (2012, p7),  e firmou jurisprudência no sentido de que “o objeto de proteção é fundamentalmente a mulher gestante, dado que a defesa do não nascido se realiza por meio da proteção da mulher (...) a  Corte concluiu que a interpretação histórica e sistemática dos antecedentes existentes no Sistema Interamericano confirma que não é procedente conceder o status de pessoa ao embrião5.”

Apesar dessa leitura a favor da autonomia reprodutiva, sabe-se que a proposta de texto da PEC 164/12 busca proibir o aborto em todas as suas hipóteses legais e barrar eventuais debates pelo aumento do alcance da sua descriminalização.

A aprovação da PEC 164/12 pela CCJ da Câmara dos Deputados passa por cima de todos os debates jurídicos já enfrentados sobre a questão e ignora a violência contra meninas, mulheres e pessoas que gestam. Parte dessa violência foi intensamente denunciada pelas ruas em junho deste ano, quando a sociedade organizada protestou contra a proibição do aborto após o Projeto nº 1904, de 2024, ter sido pautado no Plenário da Câmara dos Deputados. O referido projeto equipara aborto de gestação acima de 22 semanas a homicídio, mesmo em caso de estupro em crianças, e foi retirado de pauta após intensa pressão popular.  

O avanço da perspectiva de inviolabilidade da vida “desde a concepção” ameaça colocar o Brasil ao lado de Honduras, Jamaica, Nicarágua, Haiti, El Salvador, República Dominicana e Suriname. Nesses países até as mulheres que sofreram aborto espontâneo e emergências obstétricas correm risco de criminalização e prisão6.

Infelizmente a total proibição do aborto significa o aprofundamento da discriminação entre as próprias mulheres, recaindo o estigma e os danos de abortos inseguros para aquelas que dependem diretamente dos serviços públicos de saúde, que são meninas e mulheres pretas e pardas, das periferias do Brasil, enquanto mulheres com acesso a informações e renda conseguem realizar o procedimento em segurança fora do país. Dessa maneira, a aprovação da PEC 164 se apresenta como medida discriminatória, promotora de uma política de morte para aquelas que dependem das políticas públicas de saúde no Brasil.

Brasil, 03 de dezembro de 2024

CLADEM Brasil


1. OEA-MESECVI - Informe hemisférico sobre violencia sexual y embarazo infantil en los Estados Parte de la Convención de Belém do Pará - Octubre 2016. Disponível em: mesecvi-embarazoinfantil-es.pdf. Acesso em: 02 dec.2024.

2.  Sigla em inglês para Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women.

3.  CEDAW/C/BRA/CO/R.8-9 

4.  Ver  CERQUEIRA, Daniel; BUENO, Samira (coord.). Atlas da violência 2024. Brasília: Ipea; FBSP, 2024. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/287/atlas-da-violencia-2024. Acesso em 03 dec. 2024.

5.  CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Artavia Murillo Y Otros (“Fecundación In Vitro”) Vs. Costa Rica.  Sentencia de 28 de Noviembre de 2012.  Disponível em: 

6.  PERASSO, Valeria; DUARTE, Fernando. Aborto: as mulheres condenadas à prisão por término espontâneo da gravidez. BBC Brasil, 10 jun. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61760569. Acesso em 02 dec.2024; ABORTO, um dos piores crimes em El Salvador. UOL, 16 fev. 2024. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/resumen_257_esp.pdf. Acesso em 03 dec. 2024.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2024/02/16/aborto-um-dos-piores-crimes-em-el-salvador.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 02 dec. 2024. 



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