REPEM – Uma das formas mais sutis de transmitir discriminação é através da língua, pois esta nada mais é que o reflexo de valores, do pensamento, da sociedade que a cria e utiliza. Isso torna patente a necessidade e a urgência de fomentar o uso de uma linguagem inclusiva para ambos os sexos nas instituições públicas, evitar a confusão, negação ou ambigüidade; é isso que iremos aprofundando ao longo destas páginas.

Nada do que dizemos em cada momento de nossa vida é neutro: todas as palavras têm uma leitura de gênero. Assim, a língua não só reflete, mas também transmite e reforça os estereótipos e papéis considerados adequados para mulheres e homens em uma sociedade. Pensemos naquilo que tenta transmitir frases cotidianas como “ser velha é o último”, “os filhos são os que as mães fizeram deles”, “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, “mulher que muito aprende, não tem marido que a agüente”.

Existe um uso sexista da língua na expressão oral e escrita (nas conversações informais e nos documentos oficiais) que transmite e reforça as relações assimétricas, hierárquicas e não equitativas que se dão entre os sexos em cada sociedade e que é utilizado em todos os seus âmbitos. Dentro deles queremos destacar o administrativo, uma vez que não é uma prática habitual contemplar e incluir em seus documentos um uso adequado da linguagem.

Basta ler alguns documentos ou escutar as mensagens telefônicas das repartições públicas para poder detectar que se continua usando o masculino como linguagem universal e neutra. Nega-se a feminização da língua e ao fazê-lo estão tornando invisíveis as mulheres e rechaçando as mudanças sociais e culturais que estão ocorrendo na sociedade.

Em si, a língua não é sexista, embora o seja o uso que dela fazemos. Por isso, a única forma de mudar uma linguagem sexista, excludente e discriminatória, seja explicar qual a base ideológica em que ela se sustenta, assim como oferecer alternativas concretas e viáveis de mudança.

Todas essas considerações colocam em questão a necessidade de elaborar um recurso didático que facilite o uso correto da língua e foram elas que levaram à formulação do presente manual cujo objetivo geral é precisamente proporcionar às e aos funcionários públicos uma ferramenta clara e simples que lhes sirva para a implementação e o uso de uma linguagem inclusiva nas práticas escritas e orais das instituições onde trabalham, especialmente aquelas que desenvolvem, direta ou indiretamente, programas de atendimento à população.

Com a consecução deste objetivo aspiramos promover, dentro das instituições públicas, o uso de uma linguagem inclusiva onde seja visível a presença, a situação e p papel das mulheres na sociedade em geral e no discurso da administração púbica em particular, tal e como ocorre com os homens. Pretendemos assim contribuir para eliminar dos documentos, ofícios, relatórios, circulares, convocatórias, cartazes, materiais didáticos, etc. (elaborados nessas instituições) o uso de uma linguagem sexista-discriminatória e utilizar uma alternativa de uso correto que contribua para a equidade de gênero.

Sua estrutura e conteúdo

Nos nove capítulos que formam este manual o que se pretende é desenvolver e contribuir com as bases conceituais necessárias, bem como opções de mudança para conseguir o objetivo geral que nos propusemos anteriormente.

O primeiro capítulo: “O papel da linguagem como agente socializante de gênero”, constitui o marco conceitual deste manual e por isso é de vital importância seu entendimento. Os conteúdos que aí se tratam são: a teoria sexo-gênero, a socialização de gênero, o papel ativo da linguagem dentro dela e como ela pode contribuir para criar e fomentar a discriminação exercida contra as mulheres.

Nos restantes capítulos serão intercaladas as bases conceituais com as opções de mudança. Os conteúdos abordados abrangem desde as principais manifestações do sexismo e androcentrismo na língua, manifestações desenvolvidas através do uso do masculino como presumível genérico, os saltos semânticos, os vazios léxicos até o uso diferenciado nos tratamentos, nos usos de cortesia ou na invisibilidade das mulheres em ofícios e profissões. Também se aborda de maneira específica a linguagem administrativa e são analisados diferentes tipos de documentos utilizados na administração pública para oferecer sugestões de melhoria, de forma que se faça um uso adequado da língua, um uso que não reproduza injustiças de gênero.

Em geral, quisemos fazer um manual com um caráter propositivo porque seu objetivo mais imediato é proporcionar ferramentas que contribuam para “mudar a sociedade atual”, pois ao promover que as mulheres sejam nomeadas por elas mesmas estaremos potencializando uma mudança de mentalidades que conduzirão à criação de uma sociedade mais justa e equitativa. Este é o desafio. Esperamos poder contagiar nosso entusiasmo e a ilusão com a qual elaboramos este manual e que sua leitura e posta em prática sejam um prazer e uma aprendizagem para todas e todos a cujas mãos chegue, da mesma forma que foi para nós.

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